quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A ORIGEM DA AMG.



Corria o ano de 1967 quando dois engenheiro da Mercedes de seu nome Hans Werner Aufrecht e Erhard Melcher resolveram criar junto à cidade de Estugarda (quartel general da marca alemã), mais precisamente em Burgstall, uma empresa especializada na preparação de motores e modelos Mercedes.

O nome? É por todos nós mais que conhecido: AMG. Acrónimo que resulta da combinação do nome dos seus fundadores Aufrecht, Melcher e de Grossaspach, a terra natal do Aufrecht.

Cientes de que o potencial desportivo dos modelos Mercedes era tanto quanto a procura de versões mais "apimentadas", lançaram-se à aventura e o resultado é aquele que todos nós conhecemos: 44 anos de conquistas, títulos e vendas. Uma autêntica fábrica de sonhos, onde a paixão e o exagero são sentimentos que não passam "chapa" à tradição fria e calculista das gentes germânicas. Toma lá Merkel!!!

Uma casa que dedicou os seus 4 primeiros anos de existência à preparação exclusiva de carros para estrada até que em 1971 surgiu a oportunidade perfeita para entrar na competição automóvel. Uma alteração nos regulamentos das 24h de Le Mans deixou a Mercedes-Benz fora de prova. Era a oportunidade ideal para a AMG competir com uma equipa própria!
Com pouco tempo para preparar com a devida pompa e circunstância um modelo para a competição a AMG pegou naquilo que tinha mais à mão, um chassi de um SEL 300 com mais de duas toneladas e um bloco 6.3 litros V8 que equipava a hiper luxuosa limousine Mercedes 600 Pullman. E pronto, era esta a base da "coisa": um carro de Estado!

Não sei o que lhes passou pela cabeça mas de alguma forma conseguiram imaginar que "daquilo" podia fazer-se um bólide de competição. Bastaria para tal usar a receita tradicional: novos comandos de válvulas e novas árvores de cames, bielas mais leves, aumento da taxa de compressão, novos colectores, borboleta de admissão de corpo duplo e um escape directo. Um radiador para o óleo do motor e uma cambota nova completavam o ramalhete. O resultado foi um aumento da cilindrada para 6.8 litros, 428 cv de potência e 60,7 kgfm de torque. Nada mau...


Faltava agora preparar o imenso chassi e as suas massivas duas toneladas de peso(!). Para reduzir o peso os painéis em aço que davam forma às portas foram substituídos por painéis em alumínio. Os bancos e forras do interior foram tirados e as rodas de liga leve do protótipo C111 foram emprestadas pela Mercedes à AMG (o peso suspenso é o tipo de peso que mais interferência tem no comportamento dinâmico). Com esta dieta o SEL 300 conseguiu ficar-se por uns mais simpáticos 1635 quilos. Mais de tonelada e meia que embalada atingia a simpática velocidade máxima de 260 km/h.

Reza a lenda que o carro só ficou pronto uma semana antes do inicio da competição, portanto testes nem vê-los! Chegado o dia da competição, o SEL 300 AMG ainda mal tinha saído do camião e já tinha deixado o paddock de Le Mans de boca aberta! Recordo-vos que os adversários da AMG naquele ano eram os "pequenos" Alfa-Romeos GTA e os comedidos Opel Steinmetz. Perdoe-me a comparação mas com as devidas adaptações o que a AMG fez foi ir a uma festa de gala com as botas da tropa! Sendo que as botas eram um poderoso e ruidoso V8 montado numa carroçaria com mais de cinco metros. Muito discretos portanto.

Não resisto a fazer outra comparação... com as devidas adaptações o que a AMG fez foi ir à casa dos pais para apresentar a namorada, e leva-la de mini-saia com os peitos à mostra num vestido encarnado vivo, e como se não bastasse ela comia de boca aberta! Apanharam a ideia? Foi assim que Le Mans e a imprensa ficou, não queriam acreditar no que viam... Atributos que alias, valeram ao SEL 300 AMG a alcunha de "O porco Vermelho". Nem vale a pena explicar porquê não é?

Mas a grande revelação aconteceu ainda durante a classificação. Ninguém estava a contar que uma banheira de quatro portas com tablier em madeira, tapetes no chão, direcção hidráulica e suspensão pneumática pudesse fazer o quinto melhor tempo entre 60 carros(!), partindo ao lado de Peter Hoffmann, Hans Stuck e... NIKI LAUDA! Parece que afinal o "Porco" tinha salero nas rodas...

No entanto, e como seria de esperar todo esta abordagem tinha um reverso da medalha. O SEL 300 AMG - ou "O Porco Vermelho" como preferirem - era demasiado veloz, demasiado potente e demasiado pesado para os travões que tinha, pelo que os pilotos durante as 24 horas da corrida tiveram de se empenhar para compensar nas longas rectas de Le Mans aquilo que perdiam na zona de curvas encadeadas para os adversários mais levezinhos.

O empenho e dedicação viriam a dar os seus frutos. Depois de 24 longas horas de corrida, com dezenas de acidentes e uma tempestade noturna à mistura, o SEL 300 AMG com o número 35 cruzou a linha da meta em segundo lugar da geral e em primeiro da categoria, completando 308 voltas sem problemas mecânicos mas com os travões feitos em farrapos. A AMG ganhou assim "à primeira" e pela primeira vez uma competição. Nada mau para uns estreantes e para um carro de Estado... foi a pedra de toque que deixou Le Mans e o mundo rendidos ao engenho da AMG, e que lhes abriu caminho para se tornarem naquilo que são hoje. 


Porém, como nas mais belas histórias de amor - em que o fim é sempre trágico... - também o pobre SEL300 AMG teve um fim trágico. Os genes germânicos que sobreviveram à Segunda Guerra e o desapego aos sentimentalismos falaram mais alto e a AMG vendeu o pobre "Porco Vermelho" à francesa Matra - companhia dedicada à industria aérea - como se de um carro comum se tratasse. Vergonhoso...

Destino que viria a revelar-se fatal para o grande campeão SEL 300 AMG... a companhia esventrou-o de modo a conseguirem montar um trem de aterragem de um avião no seu interior com o intuito de estudar o comportamento dos pneus das aeronaves a alta velocidade. Os seus restos mortais até hoje nunca mais foram encontrados. Mas a Mercedes compreendendo o valor histórico e simbólico do modelo resolveu em 2006 construir uma réplica do malfadado SEL 300 AMG de acordo com os planos originais da AMG. O resultado foi aquele que podem ver nas fotos que acompanham este artigo: pura pornografia automóvel!

Quanto ao modelo original, resta-nos o consolo de saber que pelo menos morreu ao serviço de uma causa maior... Ironicamente, a salvar vidas com a sua própria vida, e no desenvolvimento de tecnologias para a aviação. Um campeão até na despedida!

Auf Wiedersehen SEL 300 AMG! Que é como quem diz, adeus campeão!


Texto: Guilherme Ferreira da Costa

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